A cobrança para ressarcir os cofres públicos é resultado de uma determinação do Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF). Em 2006, a Corte abriu processo para apurar a regularidade de pagamentos na área de pessoal e na execução de contratos de vigilância e limpeza da antiga Secretaria de Ação Social, atual Secretaria Adjunta de Desenvolvimento Social (Sedestmidh-DF), entre 2000 e 2006.
Entre os problemas encontrados na auditoria estava a acumulação, desde maio de 2002, de benefícios de auxílio-alimentação com outros de espécie semelhante, como auxílio-cesta básica ou qualquer outro que tenha o objetivo de custear subsistência. A acumulação do benefício é proibida pela Lei n° 786/1994.
Após o achado, em 2007, o TCDF determinou à Secretaria de Planejamento e Gestão (Seplag) que fizesse um levantamento dos casos de recebimento em duplicidade do benefícios em toda a administração local, com o objetivo de extinguir a prática e recuperar os valores repassados indevidamente.
A pesquisa da Seplag encontrou 2.737 servidores que receberam os recursos e, em 2011, a Corte de Contas determinou a realização de medidas para o ressarcimento do dinheiro. Até hoje, no entanto, a questão ainda se arrasta e parte dos valores não foi devolvida.
Em 2015, o TCDF oficiou 33 órgãos da administração direta e indireta para que notificassem os funcionários devedores. A maioria esmagadora dos casos estava nas secretarias de Educação e de Saúde, com 1.535 e 787, respectivamente.
Lista de órgãos com servidores devedores em 2015 by Metropoles on Scribd
Em junho do ano passado, o TCDF reiterou a determinação de medidas para o ressarcimento, “alertando seus titulares quanto à possibilidade de a Corte aplicar aos responsáveis, em caso de descumprimento, a multa prevista no inciso IV do artigo 57 da Lei Complementar nº 1/94”. A penalidade pode custar até R$ 976.
Em abril deste ano, apesar das determinações do TCDF, um novo levantamento realizado pela Corte encontrou a persistência do problema em dois órgãos: Secretaria de Educação e Secretaria de Saúde. Segundo a auditoria, a primeira ainda liderava o número de servidores devedores por largos números, com 1.422 casos, totalizando uma dívida de R$ 2.012.126,95. Já a SES-DF possuía 303 trabalhadores na mesma situação, com um valor total de R$ 1.981.673,37 – a pasta havia recuperado R$ 928.308,25 desde a determinação do TCDF.
A mais recente atualização do caso foi a convocação, pela Secretaria de Educação, de 97 servidores para o andamento do processo de ressarcimento. A notificação foi publicada no Diário Oficial do DF e orienta os trabalhadores a comparecerem à sede da pasta. A data limite foi a última quarta-feira (29/11).
Acionada pelo Metrópoles, a Secretaria de Educação disse que “os valores devidos variam de acordo com o servidor, e funcionários nessa situação serão convocados a realizar os ressarcimentos à medida que os processos forem analisados”. A devolução dos recursos será feita conforme o disposto na Lei nº 840/2011, conclui o órgão.
Ainda de acordo com a pasta, o pagamento indevido começou em 2002, quando “os servidores passaram a receber valores adicionais, posteriormente considerados semelhantes ao auxílio-alimentação, sendo que a legislação brasileira não permite o acúmulo de benefícios com o mesmo fim”. Por fim, a secretaria acrescenta que “todos terão o prazo para ampla defesa e contraditório”.
Questionadas pela reportagem, nem a Secretaria de Educação nem a de Saúde informou se, desde abril, houve mudanças no valor da dívida ou no número de servidores em débito.
Recursos
Com o objetivo de evitar a devolução do dinheiro, trabalhadores têm recorrido à Justiça e, em alguns casos, saído vitoriosos. Segundo a Secretaria de Saúde, “foram abertos processos de ressarcimento ao erário para todos os casos apurados como pagamento indevido. Porém, muitos impetraram ação para que o GDF se abstenha da cobrança do auxílio-alimentação pago em duplicidade”.
Um desses processos foi ajuizado por um servidor que tinha dois cargos na administração pública e acumulou o auxílio-alimentação de ambos por 10 anos, de 2002 a 2012. Quando a situação foi descoberta, o débito do trabalhador com a Secretaria de Saúde foi calculado em R$ 11.943,57. A pasta, então, passou a descontar R$ 350 do salário do servidor, o que ocorreu por seis meses, até ele decidir acionar a Justiça.
Em primeira instância, o juiz Enilton Alves Fernandes, do Terceiro Juizado Especial da Fazenda Pública do DF, deu razão ao trabalhador: “No caso, o auxílio-alimentação foi pago em duplicidade por mais de 10 anos, sendo possível inferir que o servidor não contribuiu para o engano (a má-fé não se presume e não foi alegada nem comprovada pelo requerido). Não tendo o servidor atuado de má-fé, não pode sofrer o desconto da verba em seus vencimentos anos depois do recebimento”, afirmou o Fernandes na decisão.
O magistrado determinou ainda a restituição dos valores descontados do salário do servidor pelo GDF. O Executivo entrou com recurso, mas a determinação foi mantida pela 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal.
“Restou incontroverso que o pagamento em duplicidade do auxílio-alimentação se deu em razão de erro da administração. Assim, o desconto em folha de pagamento do que fora recebido pelo servidor público, mesmo que indevidamente, não se afigura possível diante da presunção de boa-fé”, afirmou o relator do caso, desembargador Vitor Feltrim Barbosa, na sentença.
Já em um outro caso, de um servidor que acumulava cargos nas secretarias de Saúde e de Educação e recebeu auxílio-alimentação de ambos os órgãos por uma década, o entendimento da Justiça também foi o mesmo.
O Metrópoles solicitou ao Tribunal de Justiça do DF e Territórios o levantamento de todas as ações que protestam o ressarcimento de auxílio-alimentação pelo GDF. No entanto, a Corte afirmou que a realização da pesquisa não seria possível, “uma vez que os processos são classificados de forma genérica, sem esse tipo de detalhamento”.
Já o Tribunal de Contas do DF afirmou que, para evitar novos casos de pagamento indevido de auxílio-alimentação, “tem recomendado o aprimoramento dos controles internos permanentes relativos ao pagamento desse benefício”.
Fonte: Metropolis
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