Conforme acusações encaminhadas ao MPDFT, as irregularidades teriam sido cometidas por Deoclécio Luiz Alves de Souza – o Didi, ex-homem de confiança do deputado –, o empresário Romero Pimentel e a Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude (Secriança). Todos teriam envolvimento no “sumiço” de parte de R$ 1,9 milhão vindo de duas emendas parlamentares: uma de R$ 946 mil, outra de R$ 977,4 mil.
O dinheiro era destinado ao projeto Sara e Sua Turma, uma iniciativa paradidática em escolas da rede pública. Porém, segundo a acusação, do montante destinado a pagamentos para a Editora Phoco – R$ 1,29 milhão –, cerca de R$ 690 mil teriam evaporado. A Phoco publicou os livros do Sara e Sua Turma.
Os recursos deveriam ser transferidos à editora por meio do Instituto Terra Utópica, uma entidade sem histórico de atuação no setor educacional que não tem sequer site ou página em redes sociais.
A responsabilidade sobre a forma como as emendas seriam repassadas ficou por conta de Deoclécio Luiz Alves de Souza. Assessor especial de gabinete que recebia R$ 5.589,42 mensais na Câmara Legislativa, Didi tinha a função de acompanhar a execução de todos os recursos oriundos de emendas de autoria de Israel Batista. Foi dele e do empresário e lobista Romero Pimentel a ideia de usar o Instituto Terra Utópica para efetuar as transferências.
Três dias após o Metrópoles procurar o gabinete de Israel Batista para comentar as denúncias, Didi foi exonerado.
Ex-servidores ligados à produtora
Outros detalhes chamam atenção para os personagens e órgãos envolvidos no caso. Deoclécio Luiz Alves de Souza, por exemplo, é dono de uma empresa de publicidade que presta serviços gratuitos para a Secretaria de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude.
Didi tem como sócio Glauco Rojas Ivo – coincidentemente, ex-chefe de gabinete do deputado distrital. Rojas foi secretário de Tecnologia e do Trabalho na gestão Agnelo Queiroz (PT).
Ambos constam como proprietários da Eterna Produtora Audiovisual, localizada na QI 23 do Lago Sul. A empresa dos dois ex-servidores era a responsável por realizar filmagens do Programa #BoraVencer, iniciativa da Secriança que conta com cerca de R$ 20 milhões anuais dos cofres públicos.
O projeto prepara jovens do DF para o ingresso na universidade, seja pelo vestibular ou pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).
No site da Eterna, estão listados os serviços prestados para o Programa #BoraVencer, entre eles, a gravação e a edição de vídeos do projeto. No filme disponível na página, há o registro de um desses eventos, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, com vários professores e incluindo o deputado Israel Batista e até o governador Rodrigo Rollemberg (PSB). O chefe do Executivo questiona os alunos presentes sobre uma pergunta de “falso ou verdadeiro”.
Os sócios da Eterna Produtora Audiovisual afirmam que não receberam nem sequer um centavo dos cofres públicos e prestaram serviço “voluntário”. A Secriança também diz que não repassou verbas para a empresa.
Mas o Programa #BoraVencer contou com emendas robustas de Israel Batista. Apenas em 2017, dos R$ 12,4 milhões que o parlamentar destinou à Secriança, R$ 2 milhões foram para reforçar a iniciativa educacional. A Secretaria da Criança, aliás, é cheia de indicações políticas feitas por Israel Batista, a começar pelo atual titular do órgão, Aurélio Araújo.
Produtora usada como depósito da Secriança
Ainda que a Eterna não tenha recebido verba pública da Secriança, ajudou a pasta não apenas com a produção de material gratuito, mas também serviu de depósito para materiais comprados pela secretaria: justamente livros da iniciativa Sara e Sua Turma, projeto bancado com emendas de Israel Batista que agora passarão por escrutínio do Ministério Público.
O imóvel na QI 23 do Lago Sul era precisamente o local denunciado por uma das contadoras de histórias contratadas no âmbito do Programa Sara e Sua Turma. “Nós fazíamos mais do que devíamos, pois buscávamos os livros em uma casa do Lago Sul. Se não fosse pela gente, esse material estaria até hoje dentro de uma salinha, estragando e sem chegar às crianças”, afirma a profissional, que pediu para ter o nome preservado.
Outro lado
Procurado pela reportagem, o deputado Professor Israel Batista disse, por meio de assessoria, que Deoclécio Luiz Alves de Souza foi exonerado porque “não seguiu as normas de fiscalização das emendas propostas pelo mandato”.
Quanto à proximidade de Israel com Glauco Rojas Ivo, a assessoria afirmou que “a relação entre Glauco e o distrital é político-partidária e de amizade, além de haver contribuições do ex-secretário de Trabalho com o mandato do parlamentar”.
Ainda, conforme a assessoria do deputado informou, Israel Batista desconhecia o fato de Deoclécio e Glauco serem sócios da produtora que prestava serviço gratuito ao Programa #BoraVencer.
Sobre o estoque de livros do projeto Sara e Sua Turma na sede da Eterna Produtora Audiovisual, a assessoria de Israel Batista disse que o deputado não sabia da situação e salientou: “cabia ao Instituto Terra Utópica a execução do programa”.
O ex-chefe de gabinete Glauco Rojas Ivo negou, no primeiro contato da reportagem, ser sócio de Deoclécio na Eterna Produtora Audiovisual.
No entanto, após ter sido contestado com declaração na Receita Federal trazendo Didi como integrante do quadro societário, Glauco mudou a versão e admitiu que o ex-servidor de Israel Batista fez parte da empresa entre 5 de dezembro de 2017 e 28 de março de 2018. Nessa data, segundo Rojas, a parceria encerrou-se após a conclusão de trâmites burocráticos.
Questionado sobre o porquê de a Eterna Produtora Audiovisual ter prestado serviços gratuitos para o Programa #BoraVencer, Glauco disse que “trabalhou como voluntário apenas para criar um portfólio para sua empresa na internet”. Ele nega que tenha qualquer contrato com o GDF, incluindo publicidade.
Rojas Ivo confirmou também que Didi levou os livros do Sara e Sua Turma para a sede da agência no Lago Sul, sob o argumento de estar “atendendo um favor” de um terceiro, o qual ele não soube dizer quem era. A justificativa para guardar no imóvel privado bens adquiridos com dinheiro público seria “falta de espaço” na Secretaria da Criança.
À reportagem, Deoclécio confirmou a versão: disse que os livros foram levados para a casa no Lago Sul porque não havia outro espaço disponível para estocar o material. A Secretaria da Criança, no entanto, afirmou não saber por que as caixas com produtos da Sara e Sua Turma foram transportadas para a sede da Eterna Produtora Audiovisual.
Fonte: Metropolis
Você precisa estar logado para postar um comentário Login